Não é necessário o aval da indústria fonográfica pra arte existir. A arte mora em pessoas. A indústria enxerga números nesse texto. Vou falar de dois amigos que servirão de personagens pra ilustrar a luta pela construção de um sonho, são eles Dico e Fernandinho Cabral, pois os acompanho de muito perto a forma minuciosa que se pensa um disco, vem da delicadeza de se encontrar como artista de refletir um discurso humano e pessoal que chegue no ouvinte levando todo amor dedicado ao trabalho. As pessoas ao redor acabam cobrando muito mais do que ajudando, pois pensam em resultado imediato. O pensamento intelectual de um disco já é um processo que não pode sofrer pressão, é, de fato, uma busca muito íntima, pois um disco lançado diz muito sobre a caminhada de um artista, então todo amor se torna pouco, tem que ser amor ao limite se é que há limite pro amor. 

Vivenciar cada momento de um disco é mágico, não existe curso sobre a indústria da música que fale de afeto, falam apenas em Sony Music, Universal Music, e toda cadeia perversa que essa gente submete o artista. Jamais a FGV, com a sua pós graduação, vai ensinar alguém a dedicar a vida à música. A música é celestial e sentimentos não são ensinados com papel moeda. Enxerguei no processo do disco do Dico muitas dúvidas, muitas emoções, a cada instrumento que era gravado a alegria das aulas de canto pro aperfeiçoamento da voz que marcou tão bem o seu disco, pude ver a forma que cada envolvido se deu pro disco. Um sonho que, efetivamente, nasceu na mesma data do seu nascimento. Música é missão, a música verdadeira vem do ventre da mãe, e o processo efetivo de realização do disco nasceu em 2009 e se concretizou, sem virar matéria, em 2014, e vem ganhando forma até hoje e acompanho várias etapas do trabalho do Fernandinho Cabral, que não diferente do Dico, procura um som. A procura do som é a coisa mais linda do mundo, pensar no timbre da bateria, pensar no swing, imaginar a metaleira. Tudo isso é vivido em tempo integral desde 2009, o Fernandinho Cabral me mostra ideias pro disco dele, me mostra bases. Os músicos envolvidos no projeto conversam comigo me proporcionando profunda emoção. 

Semana passada o Fenandinho me enviou as bases de três músicas que estão desenhando a concepção sonora do disco. Fiquei muito emocionado ao ouvir, pois o desenho é lindo, é pessoal, é peculiar, não busca parecer com algo existente, embora o existente sempre seja de alguma forma habitante do subconsciente. O tempo é aliado do Fernandinho, que em 2009, engatinhava na composição. Hoje, compõe com responsabilidade fazendo do exercício da composição uma forma de nortear o que quer. Esses dois discos, um nascido e outro em processo de parto, provam que não há empecilho pra quem quer. Naturalmente, as histórias evidenciam a luta, mas eles dois não vieram pra reclamar, vieram pra realizar. Quando olho profundamente nos olhos desses dois amigos, encontro superação, e ao receber essa superação, de imediato as minhas retinas enviam a mensagem pro meu cérebro de que existem culpados, que por omissão, não compartilharão do sentimento intenso de plenitude e paz.

Por Rafael Massoto, compositor, poeta e produtor cultural.
A foto do Fernandinho Cabral foi clicada pelo Fernando Mangue.
A foto do Dico foi clicada pela Carolina de Araújo.