Nelson Sargento, o Cidadão Samba. Foto: Agência O Globo
Aos 92 anos, Nelson Sargento recebeu o título de cidadão samba de 2017, que é concedido pelo jornal EXTRA. O presidente de honra da Mangueira merece todas as honrarias que a arte possa lhe conceder. O Nelson Sargento é um ser de luz, sem sombra de dúvida, e torna a patente de sargento a patente máxima do samba. Na frente dele, qualquer um é recruta – assim se apresentou Chico César, disposto a servir no batalhão do Sargento.

 Minha mãe, por saber da minha devoção pelo Nelson Sargento, prontamente me avisou assim que o título de cidadão samba foi concedido a ele. Confesso que marejei pois além da minha paixão pessoal pelo comandante máximo do samba, sou mangueirense e sou a favor das flores em vida. Uma vez, Seu Nelson me disse que se alguém me perguntasse a definição de choro, eu poderia responder “Pixinguinha” e eu, como todas às vezes que estou com ele, bebo das palavras dele com sede e até impacientemente, na ânsia de aprender, fiquei maravilhado com essa frase, pois é ele o homem das frases, o homem das músicas, o homem do violão bem tocado com mansidão, o homem dos quadros delicadamente pintados e também o homem da literatura, cheio de talentos, o homem do bom papo. Anos depois, chego à conclusão que se alguém me perguntar a definição de samba posso responder “Nelson Sargento”. Vejo nele a suprema majestade, inclusive lembro do Seu Jorge ter se referido ao Nelson Sargento como suprema majestade do samba, uma outra fala que me marcou muito.

 Nelson Sargento tem uma história tão própria, tão linda, com uma capacidade de pensar, que mora num patamar superior. Já teve versos seus citados como versos mais interessantes da música brasileira: "O nosso amor é tão bonito/ Ela finge que me ama/ E eu finjo que acredito" são versos curiosos de um olhar atento e bem humorado. Foi através dos olhos do Nelson Sargento que enxerguei o samba como filosofia de vida. Foi pela grandeza do Nelson Sargento que aprendi a respeitar os gêneros musicais pelos quais não tenho preferência.

 Conheci o Nelson Sargento pessoalmente no ano 2000. Fui à casa dele em Copacabana com meu amigo Rodrigo Ferreira, que Deus o tenha no reino da glória. O Rodrigo pretendia biografar o Zeca Pagodinho e foi pegar um depoimento do Nelson Sargento. Que emoção conhecer o Nelson Sargento. Chorei na presença dele. Tanto eu quanto o Rodrigo estávamos diante de um rei e diante de um rei nos prostramos. Ele pediu pra gente parar de chorar, pois se não também iria chorar e nos presenteou com duas camisas lindas que vinha escrito nelas "Ninguém é mais mangueira do que eu" e tinha como estampa fotos dele com as andanças pelo mundo. Esse gesto comovente marcou a vida de dois jovens. Por isso, enxergo o homem além do mito, o homem além da obra. É difícil parar de falar sobre ele, é difícil não misturar as coisas e falar das minhas vivências com ele. Quando fui com o MC Marechal na casa dele, ele nos recebeu prestando continências ao Marechal num gesto alegre e em sua imensidão entendeu a importância de participar de um disco de hip hop. Compôs com Marechal e gravou uma participação especial pro disco que não tem data pra ser lançado.

Nelson Sargento é cidadão, é vida e lição. Ele diz que "Cartola não existiu, foi um sonho que a gente teve." É uma frase histórica. Com essa frase, ele me permite dizer que Nelson Sargento é um sonho que a gente vive.

Por Rafael Massoto, compositor, poeta e produtor cultural.