Iniciativas foram vetadas pelo prefeito sob alegação de “não possuírem interesse público”

Por Claudionei Abreu, Lorenna Medeiros e Sarah Soares

A atual legislatura de vereadores em São Gonçalo já apresentou 123 projetos de lei para criar o dia, a semana ou o mês “de alguma coisa” no calendário oficial do município. Se todas essas propostas fossem aprovadas, o município comemoraria uma data especial a cada dois dias. Apenas em 2023, foram apresentados 43 projetos de lei visando incluir algum novo dia celebrativo entre as comemorações da cidade.

Ao todo, dos 923 projetos de lei apresentados na atual legislatura, 13% de toda a produção da Câmara Municipal é dedicada à inclusão de novas datas no calendário oficial. De acordo com a Procuradoria do Município, responsável pela análise das propostas, essas legislações não possuem “interesse público” e, por essa razão, são diretamente vetadas pelo prefeito Capitão Nelson (PL). Apesar disso, os parlamentares seguem apresentando propostas para aumentar o calendário oficial. 
Em números absolutos, o recordista de projetos de lei para criar novas datas é o vereador Jorge Mariola (Podemos), com 17 iniciativas. Ao todo, Mariola apresentou 96 projetos de lei na atual legislatura. Com 67 anos, ele está em seu 5º mandato, o que significa que ele está há 19 anos na Câmara Municipal de São Gonçalo. Atualmente, ele ocupa o cargo de 1º secretário do Poder Legislativo. 

Atrás de Mariola está a vereadora Priscilla Canedo (PT), com 13 projetos focados no calendário oficial, e o ex-vereador Cici Maldonado (PL), com 10 iniciativas. Esses números representam, respectivamente, 18%, 20% e 10% do total de produção legislativa desses três parlamentares. Dentre os projetos apresentados, estão o “dia do padre”, “dia do padeiro”, “dia dos casais”, “dia do cuidador de idosos”, a “semana do brincar”, o “dia do administrador”, entre outros.

No entanto, ao compararmos proporcionalmente a quantidade de projetos criando “dia de alguma coisa” com toda a produção legislativa de cada parlamentar, observamos que outros vereadores assumem os primeiros lugares deste ranking. É o caso da vereadora Mariângela Valviesse (União), que é suplente do vereador licenciado Pedro Pericar (União), atualmente ocupando o cargo de secretário municipal de Habitação. Mariângela assumiu o mandato em meados de 2022 e apresentou, até hoje, 9 projetos de lei. Destes, 37% estão criando o dia de alguma coisa. Dentre eles é possível destacar o “dia do influenciador digital”, a ser comemorado no dia 30 de novembro. 

Atrás de Mariângela, o top 5 é ocupado por Janilce Magalhães (Psol), com 3 dos 9 projetos criando dia de algo (33%); Nelsinho (Avante), com 25%, Patrícia Silva (Cidadania), com 24%, e Felipe Guarany (PRTB), com 23,3%. Entre as iniciativas apresentadas por esses parlamentares, estão “o dia da celebração democrática”, a Semana Municipal dos Colecionadores, Atiradores e Caçadores – CAC's, semana municipal da mãe atípica e “dia do sargento R2 das Forças Armadas”. 

Baixa produtividade

Se alguns vereadores são especialistas em criar o “dia de alguma coisa”, outros vereadores não têm a mesma disposição para propôr novas legislações. É o caso de Diney Marins (Cidadania), que apresentou, desde 2012, apenas dois projetos de lei. É menos de um projeto por ano de mandato. Entre as suas propostas, está a instalação de brinquedos capazes de atender aos cadeirantes nas grandes praças de lazer e a obrigatoriedade de hasteamento das bandeiras do Brasil, do estado do Rio e do município de São Gonçalo nas repartições públicas.

O ranking da baixa produtividade é seguido por Nem da Pank Motos, com 3 projetos, e Beto da Serraria e Alexandre Gomes, com 6 projetos cada um. Essa conta leva em consideração apenas os vereadores que estão no mandato desde o início, sem pedidos de licença no período. 

Como funciona um projeto de lei?

Os projetos de lei são idealizados e apresentados à Câmara de maneira individual pelos vereadores. Após serem protocolados, eles são encaminhados à Comissão de Justiça e Redação – CJR e às comissões temáticas relacionadas ao tema do projeto. Por exemplo, um projeto de lei sobre educação passará pela CJR, que avalia aspectos legais de cada projeto, e depois é encaminhado à Comissão de Educação, responsável por analisar projetos específicos dessa área. Cada comissão é composta por três vereadores: um presidente, um relator e um membro. São eles que analisam e decidem se os projetos prosseguem no processo legislativo ou não. Caso sejam aprovados nas comissões, são encaminhados ao plenário da Câmara para passar pela votação de todos os 27 vereadores. Se aprovados, são encaminhados para veto ou sanção do prefeito. Os projetos só passam a ser considerados leis após a sanção do prefeito e publicação em diário oficial. 

"Sem interesse público"

Através da Procuradoria do Município, a prefeitura analisa os projetos de lei para apresentar sua opinião se devem ou não ser aprovados. Em sua totalidade, as iniciativas são vetadas sob a justificativa de “não haver interesse público”. É o caso dos projetos de lei que criam o “dia do profissional de cozinha”, do vereador Jorge Mariola, e o “dia de Portugal”, de autoria do vereador Cici Maldonado. 

Vale destacar que, apesar de os vereadores apresentarem os projetos que criam o “dia de alguma coisa”, não há indicações nas proposições do que deverá ser realizado especificamente para celebrar o dia. Além disso, também não há legalmente obrigatoriedade da Prefeitura em realizar eventos relacionados à data comemorativa. Portanto, trata-se de projetos meramente simbólicos. 

Notas

  • Lucas Muniz (PP) se licenciou do cargo de vereador para assumir a secretaria municipal de Turismo entre 2021-2022. Nesse período, assumiu o Evangelista Ubirajara (PP), que deixou o mandato em 2023, com o retorno de Lucas à Câmara. 
  • Bruno Porto (Cidadania) se licenciou do cargo de vereador para assumir a secretaria municipal de Esporte e Lazer em 2023. Em seu lugar, assumiu Patrícia Silva (Cidadania), que ainda está em mandato.
  • Pedro Pericar (União) se licenciou do cargo de vereador para assumir a secretaria municipal de Habitação em meados de 2022. Em seu lugar, assumiu Mariangela Valviesse (União), que ainda está em mandato.
  • Professor Josemar (Psol) se licenciou do cargo de vereador para assumir o mandato de deputado estadual, para o qual foi eleito em 2022. Em seu lugar, assumiu Janilce Magalhães (Psol). Devido a uma doença, a vereadora está temporariamente afastada do mandato.
  • O vereador Cici Maldonado (PL) morreu em novembro de 2023, e o suplente Felipe Brito (PL) assumiu em seu lugar.
  • Esta reportagem considera apenas os projetos de lei de autoria do próprio parlamentar, e não os apresentados em “coautoria”.